Carta post-mortem de Volquimar, vítima do incêndio no edifício Joelma

A família de Volquimar Carvalho dos Santos, a jovem vítima do incêndio do Edifício Joelma, em São Paulo, era espírita. Pelo que se sabe, quem fez o reconhecimento do corpo da Volquimar foi o seu irmão Álvaro. Porém, ele não teve coragem de dizer à sua mãe que a filha dela estava morta. Portanto, mentiu na volta para casa. Logo, a Volquimar tratou de aparecer para sua mãe informando que o seu irmão realmente havia a encontrado. Mas, o mais impressionante de tudo é que, em outra ocasião, o espírito de Volquimar solicitou que sua mãe fosse ao encontro do médium Chico Xavier, no dia 13 de Julho. Álvaro e sua mãe cumpriram o pedido e se surpreenderam com a carta que foi psicografada na ocasião. Essa carta está disponível no livro de Chico Xavier chamado SOMOS SEIS. 

OBS: Antes de ler a carta, sugerimos que você leia a nossa matéria sobre o Edifício Joelma, caso não tenha lido ainda. 

A CARTA

Querida mãezinha, meu querido Álvaro(1). Primeiro a bênção que peço a Deus em nosso auxílio e a bênção que rogo à querida mamãe para que as forças não faltem, agora que tomo o lápis com o auxílio de meu avô(2) para escrever. 

Não sei explicar a emoção que me controla todos os pensamentos. É como se voltasse todo o quadro de meses antes à memória. Tudo me sensibiliza em excesso, tudo me faz recuar para rever o que devo contemplar em mim própria com serenidade. E parece um sonho, mamãe, estarmos juntas, através das letras no entendimento desejado. Não mais o cartão do alfabeto(3) em que os movimentos vagarosos demais nos impedem a ideia de correr como desejamos. Aqui, é alma para alma nas palavras que anseio impregnar de amor sem conseguir. 

Peço-lhe não chorem mais o que ficou para trás no tempo, por expressão das Leis Divinas em forma de sofrimento. Embora isto, sei que a senhora e os nossos pedem notícias. Como foi o inesperado? Muito difícil a revisão. Tudo aconteceu de repente, como se devêssemos todos naquela manhã obedecer, de um modo só, a ordem que vinha do mais Alto, a fim de que a gente trocasse de vida e corpo. 

Quando recebi o impacto da notícia do fogo, o tumulto fora da sala não era pequeno. O propósito de fazer com que o trabalho rendesse, habitualmente, nos isolava dos ruídos exteriores. E o tempo de preservação possível havia passado. Atendi automaticamente ao impulso que nascia nos outros companheiros – descer à pressa. E fizemos isso. Elevadores não mais podiam aguardar-nos. A força elétrica sofrera a queda compreensível. Esforcei-me por atingir algum meio para a descida, mas isso se fazia impraticável. Com alguns poucos que me podiam ouvir, subimos apressadamente para os cimos do prédio. A esperança nos helicópteros estava em nossa cabeça, mas era muito difícil abraçar tantos para o regresso à rua com recursos tão poucos. Entendi tudo e orei. Orei como nunca, lembrando toda a vida num momento só, porque os minutos de expectativa eram para nós um prolongado instante de expectativa sempre menor. 

Tudo atravessei com a prece no coração. E posso dizer a você, mãezinha querida, que um brando torpor me invadiu, pouco a pouco... O calor era demasiado para que fosse sentido por nós, especialmente por mim com minudências de registro. Compreendi que não estávamos à beira de uma libertação para o mundo e sim na margem da Vida Espiritual que devíamos aceitar com fé em Deus. E aceitei. Os Amigos Espirituais, destacando-se meu avô Álvaro, comigo durante todo o tempo, não me deixaram assinalar quaisquer violências, naturais numa ocasião como aquela, da parte daqueles que nos removiam do caminho em que se acreditavam no rumo da volta que não mais se verificaria. 

Lembrando nossas preces e nossas conversações em casa, procurei esquecer as frases de desespero que se pronunciavam em torno de mim. Essa atitude de prece e de aceitação me auxiliou e me colocou em posição de ser socorrida. Mais tarde com algumas horas de liberação do corpo, é que despertei ao seu lado(4). Aquele amigo certo que hoje sei nele o meu avô e benfeitor de todos os dias, estava a postos, reconfortando-me. Estava em meu próprio leito, refazendo energias, e por ele fui informada de que a ilusão de estar no corpo, precisava ser esquecida; que o nosso querido Álvaro, auxiliado por ele, me encontrara a forma física na instituição a que fôramos recolhidos, depois da luta enorme e que não me cabia agora, senão estar calma e forte para fortalecê-la. 

Mas que pode se gabar de ser mais forte que os outros numa ocasião qual naquela em que nos vimos todos agoniados e alterados sem qualquer possibilidade de opção? Chorei muito, mas Deus não nos abandona. Por alguns poucos dias estive quase que constantemente ao seu lado, até dar-lhe a certeza de que devíamos estar em paz. Meu avô e outros amigos me ajudaram e prossigo na recuperação necessária. Os irmãos hospitalizados, os que se refazem dos choques, os que se reconhecem desfigurados por falta de preparação íntima na reconstituição da própria forma e os que se acusam doentes, são ainda muitos. De minha parte, estou melhorando. 

Agradeço as suas preces e as orações de Volnéia e de Volnelita, do Álvaro(5) e dos nossos todos, sem esquecer a nossa querida Célia(6) e outras amigas. Todos os pensamentos de paz que me enviam são preciosos agentes de auxílio em meu favor. Quanto posso, querida mamãe, e auxiliada por enquanto e sempre por amigos queridos daqui, volto ao nosso ambiente familiar. Nossas irmãs e os cunhados José e Wilson sempre amigos, nosso Álvaro, nossos queridos Flávio e Cristiano(7), com a sua imagem materna em meu coração, prosseguem comigo, como não podia deixar de ser. 

Estou satisfeita por haver adquirido um apartamento mais compatível com as nossas necessidades(8). Fui eu mesma, com auxílio de meu avô e de outros benfeitores, quem lhe forneceu a idéia de aproveitarmos a ocasião para a compra. A senhora, querida mamãe, não precisava hesitar quanto ao assunto(9); você sabia que o nosso ideal era sempre o de conseguir o dinheiro para uma entrada que aliviasse o futuro. E não diga mamãe que isso teria implicado na prova que atravessamos. De qualquer modo a sua filha terminara o tempo aí e, na essência, nós ambas sempre tivemos a certeza de que a minha existência seria curta na terra desta vez, em que aí estive(10). 

O fato de grifar as palavras “desta vez” me consola, pois isso dá a vocês a certeza de que estou em dia com a bênção da reencarnação, na lembrança do que aprendi. Meu avô e nossos amigos Augusto e José Roberto estão aqui conosco. Agradeço as nossas queridas amigas Yolanda e Helena, Acácia e outras irmãs, pelo incentivo à confiança em Deus que estamos recebendo. O amor é um milagre permanente. Por ele as afeições se multiplicam e os nossos corações sempre se escoram em novas esperanças para a vitória na vida. 

Querido Álvaro, lembre-me como em nossos retratos felizes. Não me recorde desfigurada ou em situação difícil na qual você é induzido a lembrar-me. Querido irmão, atravessamos aquela sombra. Agora, tudo é luz e bênção; seja para a nossa querida mamãe, o que você sempre foi, um companheiro e uma bênção. Comemoramos os aniversários de meu avô e meu que vocês marcaram com as nossas preces(11). 

Quero prosseguir escrevendo, mas não consigo. Mamãe, continue forte e calma na fé. A morte não existe; o que existe é a mudança que, por vezes, quando imprevista, como foi o nosso caso, não é fácil de suportar. Abraços aos meus pequenos filhos do coração. Não posso esquecer os sobrinhozinhos. Nossos amigos Augusto e José Roberto(12), já treinados com o intercâmbio na escrita, estão me amparando. Queridas irmãs Yolanda, Helena e Acácia(13), agradeço muito. Querida mamãe, meu querido Álvaro, irmãos e irmãs do coração, Deus os recompense. Mamãe, ouça-me dando notícias e recorde aqueles recados: Mãezinha, fique tranqüila; mãezinha, estou bem; mamãe, já cheguei do trabalho; mamãe, chegarei um pouco mais tarde. E esteja certa, querida mãezinha, de que com o beijo de todos os dias e carinho de todos os momentos, continua sendo sua, sempre sua, a filha que lhe entrega o próprio coração. 

 Hoje e sempre a sua VOLQUIMAR 
13 julho 1974 

 XAVIER, Francisco Cândido. Somos Seis [Espíritos Diversos]. São Bernardo do Campo, SP: GEEM, 1976. p.30-35.

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