“A Mulher de Vermelho”: Entre o Desejo e o Assombro nas Lendas Urbanas do Brasil

Ela caminha sozinha pelas estradas vazias. Seu vestido é vermelho como sangue. Seus passos ecoam como um aviso, e seu olhar, muitas vezes descrito como hipnótico, anuncia algo que mistura desejo, medo e mistério. Quem nunca ouviu falar da "mulher de vermelho", figura constante nas lendas urbanas, nas assombrações das madrugadas e até mesmo em enredos de filmes de terror?


Mas por que, afinal, o vermelho, essa cor tão vibrante, está sempre associada à figura feminina amaldiçoada, sedutora ou condenada? A resposta está nas profundezas do nosso imaginário cultural — e começa muito antes dos fantasmas aparecerem.

🔴 O Vermelho como Marca do Pecado

No imaginário cristão ocidental, fortemente enraizado no Brasil desde a colonização portuguesa, o vermelho tem significados ambíguos. É a cor do sangue de Cristo, do martírio e da paixão divina — mas também é a cor da carne, do pecado e da tentação.

Nas páginas do Apocalipse, a "grande meretriz" aparece vestida de escarlate, símbolo da luxúria e da perdição. Esse arquétipo foi transplantado para a cultura colonial com força, e, segundo o sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre, esse simbolismo foi reforçado nas relações entre gênero, religião e controle social: a mulher virtuosa vestia-se com recato; a mulher perigosa — a sedutora, a feiticeira, a prostituta — se tingia de vermelho.

💋 Vermelho, Erotismo e Julgamento Moral

Com o passar dos séculos, o vermelho manteve sua associação com o desejo proibido. No Recife colonial e pós-colonial, em bairros como o de Santo Amaro ou nos arredores do Recife Antigo, as histórias de aparições femininas de vestido vermelho se tornaram recorrentes. Muitas vezes, eram descritas como mulheres jovens, sensuais, que teriam tido mortes trágicas, normalmente ligadas à violência masculina ou à marginalização social.

Essa simbologia não é exclusiva de Pernambuco — mas aqui ela se mistura com o barroquismo católico, com o sincretismo afro-brasileiro e com a oralidade popular. Entidades como Pomba Gira, por exemplo, também vestem vermelho, marcando a fronteira entre o sagrado e o sensual, entre o erotismo e o perigo.

🎥 Do Folclore ao Cinema

Não é coincidência que no cinema, há tantas figuras femininas ligadas a roupas de cores fortes, em especial o vermelho. Elas aparecem para seduzir e, em alguns momentos, para punir ou se vingar.

A mulher de vermelho, nesses contextos, se torna símbolo da transgressão, daquilo que a sociedade deveria recusar em vida, a partir da perspectiva da moral cristã. 

Conclusão: A Cor que Assombra

O vermelho, nas lendas urbanas brasileiras, é muito mais do que um detalhe visual. Ele é uma linguagem do invisível. É a cor que grita quando o mundo quer silenciar. É a lembrança viva do desejo, da culpa, da exclusão.

E assim, entre o mito, a história e o medo, a mulher de vermelho continua caminhando, cruzando nossas madrugadas com sua sensualidade amaldiçoada e seu mistério sem fim.

Na próxima vez que ouvir passos atrás de você numa rua deserta... talvez seja melhor correr... principalmente, se a pessoa que estiver lhe seguindo for uma mulher de vermelho com aspecto de uma assombração!

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